Você já deve ter ouvido falar sobre o Legado da Semana de Arte Moderna. O ano era 1922 e o mundo ainda sentia o amargo gosto do pós-Primeira Guerra. As mudanças estavam acontecendo em todas as esferas, principalmente, políticas, e as mentes intelectuais estavam em plena ebulição. Por aqui, o ano de celebração do centenário da Independência foi o cenário perfeito para artistas e pensadores da época declararem o rompimento com a cultura tradicional. Era o fim das correntes literárias e artísticas ligadas ao parnasianismo, ao simbolismo e à arte acadêmica. Então, com o compromisso de uma nova visão estética e forte comprometimento com a independência cultural, deu-se início à famigerada Semana da Arte Moderna, que definiria os rumos culturais dos próximos 100 anos. Para conhecermos um pouco mais sobre esse importante período da nossa história, o Connectarch conversou com Andrea Caruso, diretora do Theatro Municipal de São Paulo, palco do festival, e com Tasilinha do Amaral, sobrinha-neta de Tarsila do Amaral, um dos grandes nomes das artes no Brasil e cuja relevância na Semana de Arte de 1922 é inquestionável.
Capa do catálogo da Semana de Arte Moderna, 1922
A Semana de Arte Moderna de São Paulo aconteceu entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922 no Theatro Municipal de São Paulo, e marcou a consolidação do modernismo no Brasil. Foi um momento de ruptura entre as culturas tradicionais, impulsionado por grandes nomes da época como Mário de Andrade – um dos principais articuladores da manifestação –Oswald de Andrade, Graça Aranha, Menotti del Picchia, Ronald de Carvalho, Anita Malfatti, Victor Brecheret, Di Cavalcanti e Guiomar Novaes. O que poucos sabem é que a Semana de Arte Moderna de 1922 não durou uma semana, mas apenas três – intensas – noites, como conta a diretora geral do Theatro Municipal, Andrea Caruso. “Foram três noites de apresentações de dança, música, recital de poesias e exposição de pinturas e esculturas no Theatro. O músico Heitor Villa-Lobos, que se tornou uma das principais referências da construção da música brasileira no século 20, esteve presente todos os dias, tocando obras de câmara de sua primeira fase. Era a primeira vez que ele se apresentava em um grande teatro.”
Heitor Villa Lobos. Imagens: Acervo Theatro Municipal de São Paulo
Guiomar Novais. Imagens: Acervo Theatro Municipal de São Paulo
O evento, que questionava paradigmas estéticos e culturais e queria romper com o conservadorismo vigente da época, foi muito bem sucedido em seu intuito e cujos desdobramentos, entre os quais a antropofagia de Oswald de Andrade, ganharam, e ganham, repercussão até hoje, segundo Andrea. “Foram as reverberações e posteriormente as revisões da Semana que fizeram dela um marco. Não em vão que, com o passar dos anos e das décadas, a Semana segue sendo retomada e revista, com os filtros e questões eminentes de cada efeméride. O próprio Theatro Municipal de São Paulo realizou diversos eventos de comemoração da Semana, ora celebrando e homenageando os membros do grupo modernista, ora propondo o revisionismo e evidenciando novos artistas e intelectuais.”
Entre os principais pontos da Semana, segundo Andrea, está o fato de “o nosso modernismo, ou nossos modernismos, serem assuntos de diferentes gerações e seguem sendo matéria de discussões, de embates estéticos e artísticos. Temos, no Theatro, registros das comemorações feitas a cada década, a partir de 1972, quando se comemorou o cinquentenário da Semana, e, com o passar dos anos, observamos as mudanças de perspectivas, abrindo novos leques de reflexão, sobre o que se disse e o que se registrou, o que não foi dito, o que faltou. Se faz sentido voltar-nos à Semana é porque as reivindicações daquele momento ainda ressoam como necessárias nos dias de hoje. De modo diverso, evidentemente, mas há o aspecto de quebra de paradigmas, de disputa de narrativas e espaços que continua incomodando, sendo questionado. Talvez em uma versão mais multitudinária.”
Como legado da Semana, Andrea pontua que “cem anos depois, ainda que cercada de controvérsias, a Semana persiste em provocar a sociedade brasileira de 2022. Hoje, diferentes atores colaboram para a revisão crítica da Semana e, neste ano, a cidade de São Paulo pulsará diversas programações culturais do centenário, demonstrando movimentos de transformação das narrativas históricas do tema, contribuindo para a construção de imaginários artísticos e culturais mais plurais.”
Crédito: divulgação – imagem cedida gentilmente por Tarsilinha do Amaral
Tarsila do Amaral nasceu no interior de São Paulo, na cidade de Capivari, em 1886. Foi uma grande pintora e desenhista brasileira e conquistou reconhecimento internacional com a brasilidade intrincada em suas obras. Também foi membro do Grupo dos Cinco, formado por Anita Malfatti, Menotti del Picchia, Mario de Andrade e Oswald de Andrade, considerados os cinco artistas mais influentes da arte moderna brasileira.
Mário de Andrade fotografado por Benedito Duarte
Hoje, está entre as mais importantes artistas brasileiras, e seu Abaporu, uma das telas mais conhecidas mundialmente, infelizmente, não está em casa. Foi arrematada, em menos de dois minutos, em um leilão em Nova York por US$ 1,3 mi em 1995 pelo colecionador Eduardo Constantini, e atualmente está em exibição no Museu de Arte Latino-Americana de Bueno Aires, na Argentina, o MALBA.
Celebrações do centenário no Theatro Municipal
Sendo o Theatro Municipal de São Paulo o epicentro da Semana de Arte Moderna de 1922, não poderia ser diferente ter uma extensa programação cultural para as celebrações desse centenário. “Para as comemorações, no período de 10 a 18 de fevereiro, ocorreu uma maratona com a apresentação completa das Bachianas de Villa-Lobos, pela Orquestra Sinfônica Municipal, a estreia da peça Muyrakytã, com coreografia de Allan Falieri para o Balé da Cidade de São Paulo, o lançamento da série Identidade Brasileira, do Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo, um programa da Orquestra Experimental de Repertório com peças de Villa-Lobos e Radamés Gnatalli e um programa de música coral brasileira especialmente preparado pelo Coral Paulistano para comemorar a Semana”, conta a diretora, e acrescenta: “além disso, teve uma noite de sarau com a participação de importantes grupos como As Clarianas, Sarau do Binho e Sarau das Pretas; um show da rainha do carimbó, Dona Onete e da DJ Ju Salty; um ciclo de cinco encontros no Salão Nobre do Theatro discutindo aspectos relevantes da semana e suas atualizações; Expedições Modernistas, em parceria com o Museu da Cidade e a Biblioteca Mário de Andrade; dois processos teatrais que trazem para o diálogo os autores Oswald de Andrade e Graciliano Ramos; e o lançamento do projeto Essa noite se improvisa!, com apresentação do MC Max BO e DJ Nuts e com a participação livre de artistas que se inscreveram duas semanas antes, pelo site do Theatro. Posteriormente, no decorrer do ano, teremos outras programações comemorativas, como, por exemplo, a montagem da ópera Café, com libreto de Mário de Andrade e música inédita de Felipe Senna”, finaliza Andrea Caruso.
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